A ALTERAÇÃO DO CONCEITO DE TRABALHO ANÁLOGO A DE ESCRAVO: riscos de redimensionamento da dignidade humana, de retrocesso social e de proteção insuficiente do trabalhador

Saul Duarte Tibaldi, Gracyano Luiz Marquetti Vivan

Resumo


A presente pesquisa trata da alteração do conceito do crime de redução à condição análoga à de escravo, previsto no art. 149 do Código Penal brasileiro, cuja aprovação no Congresso Nacional está iminente. Segundo a atual redação do dispositivo, o delito se configura quando o trabalhador é submetido a trabalhos forçados e à servidão por dívida, bem como, a jornadas exaustivas e a condições degradantes de trabalho. A mudança consiste em retirar do conceito essas duas últimas modalidades que, na visão de alguns parlamentares, são consideradas demasiadamente imprecisas e causadoras de insegurança jurídica. A notória relevância social dessa discussão motivou a realização da presente pesquisa, que teve por objetivo verificar se os projetos de lei que visam alterar o conceito de trabalho análogo a de escravo são constitucionalmente admissíveis à luz de princípios fundamentais que regem o ordenamento jurídico brasileiro, como o da dignidade da pessoa humana, o da vedação de retrocesso social e o da proibição de proteção deficiente. Para o alcance desse propósito, consultou-se a doutrina jurídica nacional e estrangeira, a jurisprudência dos tribunais superiores pátrios e a legislação brasileira e internacional sobre o assunto. As análises feitas permitiram concluir pela inconstitucionalidade das propostas legislativas de alteração do conceito de trabalho análogo a de escravo e possibilitaram a construção de argumentos em defesa da manutenção da atual redação do art. 149 do Código Penal brasileiro, que representa uma importante. 


Palavras-chave


Proteção ao ambiente de trabalho; Dignidade da pessoa humana; Vedação de retrocesso social.

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